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Foto do escritorOthilia Gouveia

Cartas de amor

Cartas de amor são ridículas, disse Fernando Pessoa. E eu adoro escutar essas ridicularidades, cartas de amor são minhas leituras, escutas e escritas favoritas. Ontem mesmo escutei e li diversas cartas de amor, nelas estavam muita esperança, dor, gozo, contrariedades, erros de português, improbabilidades, metáforas, non-sense, passado, presente e futuro.


Cartas de amor se tratam de romantismo, não apenas para um par amoroso, não nos enganemos que não fazemos pares amorosos também com a família, os amigos e os lugares. Há muito romantismo e pares também nessas relações, o sentimento mesmo coloca-o em ação. Há muita ação no amor, pra dentro ou pra fora. Há quem o guarde, dentro de si e não mexa naquilo, repete-se incessantemente um momento, uma palavra e uma sensação. Há quem o espalhe, escreva cartas e não entregue ou entregue, fala na análise, fala com os amigos e até desconhecidos, consegue repetir e criar algo novo com aquele momento, aquela palavra e aquela sensação.


Cartas de amor, porém, não se tratam apenas de romantismo, não vivemos muita coisa quando capturados no amor, desse romântico preso nas cartas. Cartas não são apenas escritas, elas também andam por aí, tem pernas, nos alcançam, andam de mão dadas, nos cegam, mudam as coisas de cor. De repente eu esqueço de pagar uma conta, não ligo mais para aquele projeto acadêmico, os problemas com meus pais, a rejeição naquele emprego ou problemas sociais. Aquilo que eu estava falando em análise há tanto tempo de repente sumiu, quando eu vi fulaninho ali naquela praça tão bonito e trocamos número, conta do instagram e agora conversamos 24h por dia e me sinto insegura do que vai achar de mim e estou extremamente empolgada em ver ele semana que vem mas não sei se vai rolar mais , eu enviei uma mensagem com um erro de português terrível e ele começou a me responder meio torto depois disso, eu acho, o que você acha? (pergunto a minha analista). Não há resposta, ela não responde, e tudo mudou, já falo agora de outras coisas que não aquela dúvida de como prosseguir na vida que tudo estava sem sentido e crises existenciais imensas.


Minha analista abriu um sorriso, acho que ela também gosta de escutar cartas de amor.

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